A pedra no meio do caminho
(…) já não se trata de mascarar com eufemismos, trata-se de inverter o próprio sentido das palavras.
Jorge Soley
Jesus and Buddha (...) were just guys who got tired of all the bullshit.
Howdie Mickoski
A par das notícias sensacionalistas e do terrorismo puro em que os meios de comunicação social se empenham e que tendemos a imitar nos nossos círculos reduzidos, noto o cultivo generalizado e inverso de uma linguagem eufemística que, para mim, culmina na palavra “desafios”. A partir de um ponto que não sei precisar no tempo, deixou de haver problemas, dificuldades, obstáculos, preocupações, crises, desgostos, contrariedades para haver apenas “desafios” a ultrapassar.
Concordando com Manuel Monteiro, quando diz que “a elegância é quase sempre o melhor remédio” (em questões da língua e não só), sinto-me esvair de todos os vestígios de graça se, passando por um mau bocado, ouço referirem-se-lhe como um momento “desafiante” ou atribuírem a causa à mudança de estação. A ligeireza e as frases vazias que, mais do que pontuar, recheiam os discursos são sinais evidentes da superficialidade e do engano deliberado em que se vive, desse horror à negatividade numa cultura que, ironicamente, vive fomentando o medo, com as pessoas competindo entre si pelo título de mais desgraçada – perdão, daquela que se vê a braços com o maior número de desafios.
Ocorrendo-me o poema “No meio do caminho tinha uma pedra”, percebi que Drummond estaria em maus lençóis (ou em lençóis menos convidativos) se quisesse publicá-lo hoje. Fui pesquisá-lo para o relembrar e eis que me deparei com um artigo de psicanálise que, logo depois de explicar o significado da pedra, passa a advertir que os entraves que simboliza são uma oportunidade de aprendizagem (outra expressão da moda), num mundo relativo, em que “pedra” e “caminho” não podem ter significados absolutos. Não sou dada à profanidade, mas confesso que quase que me saía. Se devemos elogiar a pedra ou apegar-nos a ela é o que se discute a seguir, e nesta altura já tenho a cabeça a andar à roda. Não sei qual a resposta certa, mas vou arriscar o elogio, devidamente ensanduichado na conversa assertiva que o sujeito poético teria com a pedra, não sem começar por lhe perguntar o seu pronome. Disse “sujeito poético”, mas queria dizer “autor”, porque a escrevente do artigo diz que afinal a pedra é uma hipértese, representando o filho que Drummond “perdeu”.
Admito que este texto tomou um rumo totalmente imprevisto, em torno de uma pedra em que tropecei por acaso, mas que nem por isso me travou o caminho, pelo que posso confirmar que a pedra sempre é relativa e um desafio superável! Tive de segurar as palavras enquanto ia na rua, para também eu não as perder e ser obrigada à hipértese. Felizmente, tinha ido prevenida com uma folha de papel para me aliviar e este texto chegou ao fim quase sem eu perceber.
“E agora, José?”…
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