Ablução
Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo (…)
Adélia Prado
Perguntam-me o nome e talvez seja tarde. Durante muito tempo quis que o adivinhassem e me chamassem com um saber íntimo que se atravessasse até à alma pelo mero domínio do seu timbre, comandando-lhe que se abrisse. Mas vim a apurar que o nome era para dar às cinzas, a espalhar num ritual minguante, em que me apequeno para dar espaço ao que deslumbra.
Gostava de ir com a minha avó para os campos, onde os morangos eram milagres mínimos que colhia das paredes de terra. Porquê procurar tesouros, quando se pode apanhar morangos?... No tanque, as mulheres eram anónimas, cobertas de preto, levavam carga à cabeça. Confundiam-se com o som da água em queda e, empunhando bacias e barras de sabão, sibilando entre si, esfregavam e esfregavam, protegidas pela geada. Hoje penso que a geada era cinza e que talvez aquelas anciãs extintas soubessem que o nome é para queimar e afundar na terra. Também serve para lavar a roupa.