Açúcar amarelo
De onde vens, certeza
de que um pouco mais de açúcar
não fará mal a ninguém.
Adélia Prado
O Ministério da Felicidade e o Ministério da Vida Saudável tinham tomado a iniciativa conjunta de consagrar o domingo como Dia do Brunch, oficializando aquele que era já um hábito informal de famílias e pessoas emancipadas. Ludovina queria escapar à fila de estabelecimentos cor-de-rosa que transformavam esse destino em certeza, mas os agentes da polícia que rodeavam uma mulher caída no chão, ajeitando-lhe o casaco a servir de almofada, dificultavam-lhe a fuga.
Entrou apressadamente na primeira porta que encontrou, com um letreiro de néon a piscar “Moonbucks”. No ambiente, que cheirava a panquecas, ovos mexidos e flocos de simpatia, destacavam-se os cubos de açúcar amarelo amontoados nas mesas, uma orientação governamental amigável para uma saúde 100%. O açúcar branco há muito tinha deixado de ser consumido e só se conseguia a preços exorbitantes na dark web.
Depois da generalização do trabalho remoto, era mais comum os animais de estimação levarem os donos à rua do que o oposto, aliciando-os com a promessa dos torrões de açúcar que lhes atiravam uma vez instalados na mesa familiar e human-friendly, onde se reaprendia um convívio salutar.
Ludovina procurava um recanto sossegado onde pudesse pegar no livro que andava a ler, outro produto de consumo a que o governo franzia publicamente o sobrolho. Dirigiu-se ao único espaço individual do estabelecimento, reservado à prática do mindfulness, pensando poder camuflá-lo entre o cor-de-rosa fofo das almofadas. A bebida com cafeína que pedira, um gesto cada vez menos usual da clientela patusca de domingo, veio acompanhada de um pequeno copo de água vitaminada, que cheirou com desconfiança.
O faro era o único sentido em que ainda confiava. Olhando à sua volta enquanto esperava o momento certo para expor o livro de capa dura, notou as frases de motivação que se acendiam ao som da Barbie Girl, uma técnica subliminar ao serviço da felicidade duradoura. Aturdida pelos estímulos sensoriais e temendo a estranheza dissonante que sabia não conseguir deixar de exalar, afundou-se no banco. A sensação de esmagar um dos cubos amarelos com o traseiro fez-lhe disparar o coração, que pulsava azul por entre a névoa que induzia o nirvana.