Ciclos
Have no link with the past, no link with the future, and look unto the in between.
H. W. L. Poonja
Não vivemos de ano a ano: de passagem em passagem de ano, de aniversário em aniversário, com os cantos já dobrados de um calendário dividido em partes iguais. É por ciclos que nos derramamos, também eles às turras, como as estações, sem meteorologia que os ponha no sítio e nos deixe o vagar das preparações – como as que fazemos para as férias, o regresso à escola, a limpeza de Páscoa, as sextas-feiras 13.
O momento entre um ciclo e o outro é o de ficar no ar, agarrado à cauda de um conforto conhecido, coberto de borbotos, que nos empurra para o sono de uma felicidade interrogada (que alguém interroga sem dar a cara).
Quando adiante o chão é aberto, sem linhas que esclareçam o horizonte e marquem caminhos, constelações decalcadas em roteiros, os pés desinquietam-se da falta de coordenadas. Querem a segurança dos trilhos certos, a memória de uma coreografia ensaiada.
Já não estar no que foi antes, não saber o que vem a seguir: assim é viver na corda do tempo. Quem sou entre o que fui e o que vou a ser?
Mãos e pés agarram-se ao chão que treme e rasga, unindo as beiras que se afastam, até o corpo não ser ponte que chegue, o destino em queda certa. Neste meio vácuo, na garganta do que não se sabe, entre um pensamento e o quase, estica-se a vastidão do Possível. Dela sou o instrumento que se afina.
Sexta-feira 13. Quem sabe o que descomeça aqui.
Fotografia: 2023 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados