Como impactar com um texto popularucho
Instruções passo a passo:
1. Pegue em qualquer destes termos ou num punhado deles, pincele-os com uma camada de verniz e retire-lhes o miolo (no caso de escolher apenas um, é repeti-lo à saciedade): igualdade, liberdade, democracia, diálogo, empatia, harmonia, união, inclusão, diversidade, pacifismo, ambiente, enriquecer, “multi-” qualquer coisa.
2. Utilize todas as derivações possíveis de “impacto”, como verbo, substantivo, adjetivo. Não importa o impacto, desde que se impacte.
3. Condene abertamente o julgamento. Cruze os dedos, esperando que, no embalo da toada popularucha, ninguém encontre a falácia. Diga que não há certo nem errado escrito em lado nenhum, mas que é errado julgar.
4. Aplique o mesmo idealismo sentimental que tinha aos 15 anos, mesmo que conte com umas quantas décadas em cima. À custa de tanto verniz, já é possível terminar-se a vida com a mesma tabula rasa com que se começou, sem qualquer desenvolvimento psicológico que tenha ocorrido com as famosas “aprendizagens de vida” e tão mergulhado na fantasia como quando se lia as aventuras d’ Os Cinco. Ignore que os manuais de ensino, perpetuados pelos órgãos de comunicação social, são cartilhas ideológicas que disfarçam o caminho do totalitarismo com as cores brandas da utopia e do humanitarismo.
5. Use e abuse do materialismo intelectual que só vê guerra, fome e pobreza das janelas do próprio conforto, sem conhecer significado algum para o que acontece – nem no mundo nem dentro da própria casa – mas que continua a agir como se soubesse. Quando se sentir inspirado, culpe Deus; caso contrário, ignore-o e aponte o capitalismo como a causa de todos os males. E nunca se esqueça de que os fins justificam os meios, sobretudo quando o fim é a sobrevivência, física ou psicológica.
6. Pregue o seu desprendimento e os desertos ideológicos que atravessa, quando está desde sempre parado no mesmo lugar: um lugar com uma ideologia bem demarcada e altamente frequentada, onde se pode ser para sempre ingénuo. É aí que se aprende o que é da ordem do popularucho. Ensaie esta canção com os outros meninos, à roda da mesa simpática onde batucam o Kumbaya.
7. Deixe-se enganar pelas aparências e negue-lhes o valor, em vez de aprender a interpretá-las. Persista na superficialidade, mas cite Einstein ou Tolkien de vez em quando. Pendure um poster do D. Quixote ou do Che Guevara no quarto.
8. Acredite que a cultura é toda a iluminação de que precisa. A cultura e a geografia, com um empurrãozinho da “ciência” e da diplomacia.
9. Não se esqueça da máscara quando sair de casa nem quando invadir blogues alheios para insultar os autores assinando simplesmente: “Anónimo”.