Espadas, oito
À refeição, davam-me os calores na barriga e eu era obrigada a destapá-la. Mesmo sem poder, comia de barriga à mostra, o sítio exato onde me atacavam os calores que mais ninguém tinha. Antes de ser proibido chorar à mesa, era proibido mostrar a barriga e deixar comida no prato, ainda que desse vómitos. Foi assim que comecei a apanhar e a guardar no fundo dela toda a sorte de coisas que não o alimento, por falta de ventilação, entalada em mordaças que só me seguraram por décadas.
Entre a barriga e a garganta, esganando o coração, ficaram os frutos podres e as sementes boas, a torrente de palavras ralhadas quando eu escrevia e gostavam muito, mas só de algumas coisas. Mazinha não podia ser, e as minhas composições faziam as pessoas chorar e não era de alegria. Só não choravam quando eu escrevia para a escola redações e poemas sobre a mãe e era tudo mentira. A verdade era feia. A verdade não era para se dizer – era para enfiar na barriga e aferrolhar no silêncio. A verdade cheirava a bolas de naftalina.
Imagem: baralho Morgan-Greer