Louvor noturno
me dá a mão, me cura de ser grande
Adélia Prado
Quis celebrar o Dia Mundial da Poesia com um livro que me falasse à alma e aos sentidos, e que acontece enquadrar-se também na Páscoa, um bom número de pretextos para celebrar a minha adoração poética pela brasileira Adélia Prado. A segunda antologia que lhe conheço, Tudo que Existe Louvará, é um volume que, ao contrário do recomendável na poesia, se lê a galope acelerado, em travos profundos e extáticos. Se os excessos do arrebatamento obrigam a pousá-lo sucessivas vezes, o mesmo enlevo impele a pegar-lhe de novo, num movimento irresistível de inspiração e expiração que a alegria percorre sem remorso.
Uma alegria visual, sensorial, como a do “Azul sobre amarelo, maravilha e roxo”, que se eleva pela beleza e devoção, desprendendo-se de uma experiência a um tempo poética e religiosa, que aqui arde no fogo tantas vezes abandonado dos lugares comuns. Por isso insistem os prefaciadores da obra em que “Adélia provoca escândalo”, um escândalo bem-vindo, ao mostrar “(…) que a ortodoxia é uma forma radical de heterodoxia e a mais ínfima reverência deve ser mais temida do que a maior blasfémia” (J. Tolentino Mendonça e M. Cabedo e Vasconcelos).
Os títulos dos poemas são parte deste banquete comemorativo, inaugurado com pompas de trombeta pelo estrepitoso “Com licença poética”, o manifesto em que Adélia Prado contrapõe desafiadoramente o seu “anjo esbelto” ao “anjo torto” de Drummond de Andrade no subtexto, apresentando todo um programa de Alegria que casa com o seu sexo de Mulher.
Já não sei que poemas leio pela primeira vez – soam-me todos novos, fulgurantes, brilhando na treva da poesia que hoje se publica, com uma porção igual de arrebatamento e ternura. Do extático ao estático, dou comigo a sorrir até doer numa noite de sexta-feira em que não quero estar senão aqui: levitando.
Harry Potter
Quando era criança
escondia-me no galinheiro
hipnotizando galinhas.
Alguma força se esvaía de mim,
pois ficávamos tontas, eu e elas.
Ninguém percebia minha ausência,
o esforço de levantar-me pelas próprias orelhas,
tentando o maravilhoso.
Até hoje fico de tocaia
para óvnis, luzes misteriosas,
orar em línguas, ter o dom da cura.
Meu treinamento é ordenar palavras:
Sejam um poema, digo-lhes,
não se comportem, como, no galinheiro,
eu com as galinhas tontas.
Adélia Prado