Metacoração
Ensinaram-me que o amor era transgressão: 10 minutos roubados contra o muro.
Cheirava a tabaco e a Hugo Boss, toca de bicho no relento da chuva. Usava toalha de praia e fazia urticária, tentação tremeluzente de esperas, testamento a vermelho até a tinta acabar.
Palavras raspadas do dicionário para dizer o proibido: que o amor havia. Era pentear poemas e saber que amor era mais hipálage do que metáfora, cravejado de antíteses.
O amor não podia andar de mão dada (ensinaram-me isso quando me mostraram que o amor batia). Eram cartas escondidas em envelopes disfarçados, telefonemas mudos, traições, denúncias. Se havia coisa que o amor trazia, era sempre castigo.
O amor era sombra que caminhava na frente quando não tinha pernas para lhe chegar. Era peixe que não mordia o isco e que fugia, escorregadiço. Nunca segurei o amor na mão: vinha para comer e logo se ia, antes que pudesse amansá-lo.
O amor era do reino das fomes e dos impossíveis. De noite, fantasia, fantasmagórica insónia – pesadelo de dia. Procurado pela justiça com recompensa avara. Era mísero e magro o amor, inclemente. Crescia de sustos, perseguido de morte. Sobrevivia a pão e água, pescada cozida a acompanhar.
Era só espinhas. Uma faca no escuro.
Serial bully, eclipse permanente do sol. Era eu a ir embora, quando o amor era promessa que o tempo amargava, cavalo alado descontente das asas. Metassuspiro.