O caroço
But to find what true happiness is, we must be willing to be disturbed, surprised, wrong in our assumptions – and cast into a very deep well of unknowing.
Adyashanti
Admito que a glorificação da autoconfiança sempre me inquietou. À medida que ia atravessando limiares etários, sempre à espera de chegar ao círculo das pessoas que “sabem” (o que se passa, o que andamos aqui a fazer, com respostas conclusivas para as perguntas que importam), descobri que quase ninguém se importa com as perguntas que importam. Passado aquele breve intervalo da adolescência ou a eventual crise de vida que leva a que se interroguem sobre o motivo de estarmos aqui ou sobre o que é a felicidade, ninguém quer saber. E descobri que, de entre aqueles que se importam, ninguém ou quase ninguém sabe nada que valha a pena saber. Ninguém que eu conheça, pelo menos – que esteja num círculo de convívio que transforme a ideia de um tal ser em algo mais próximo do que o mito ou a improbabilidade estatística, dando-lhe os contornos de possibilidade alcançável.
Admito que os autoconfiantes me pareciam mais capazes de lidar com a vida. A crença acaba por ter o seu poder hipnótico, dá um certo desembaraço e tenacidade que leva à superação de “desafios”, esse eufemismo que, como todos os que se repetem levianamente, se tornou nada menos do que insuportável.
Admito que sentia uma certa inveja dos autoconfiantes, a quem o sucesso parecia servido numa bandeja que premiava a simples crença na capacidade própria, fosse qual fosse o seu fundamento. “Autoconfiança” é a qualidade que aparece à cabeça da lista de predicados que se procura no sexo oposto. A pessoa autoconfiante inspira automaticamente confiança – pelo menos, à primeira vista. Chegado o momento da revista, admito que comecei a ver o quanto de propaganda havia na autoconfiança e o escandaloso logro que espreitava por baixo. Percebi que quase todos os autoconfiantes estavam enganados quanto às qualidades de que se achavam investidos, embora não se cansassem de as alardear: se as repetissem muito, talvez conseguissem convencer-se, a si e aos outros, e elas se tornassem reais.
Admito outra coisa: que os autoconfiantes eram pessoas demasiado normais para mim. Com demasiadas certezas, demasiado instaladas na vida (não conseguia evitar o horror a esse “encaixe”). Convencidas de que a autoconfiança e a força de vontade bastam para marcar pontos, subjugar os obstáculos de uma existência empenhada em criar dificuldades, materializando uma meta depois da outra por pura diversão, numa luta de vontades que pedia, além de autoconfiança e pensamento positivo, perseverança.
Admito que a perseverança me inspira mais simpatia. Saber a que aplicá-la é para mim um “desafio” bem mais valoroso do que cultivar a autoconfiança à força bruta, envergar trajes glamorosos que nada escondem por baixo. Mais do que a polpa, interessa-me o caroço.