O corpo
O corpo é um álbum de fotografias raramente explorado. Emoções congeladas que se disfarçam de sintomas e continuam sem se dar a ver. Cemitério mal-assombrado, com datas e nomes e retratos em lápides de flores murchas, que se visita no Dia dos Mortos, com a língua das alcoviteiras a dançar à volta das campas.
O corpo não perde nada, embora aguente muito antes de começar a coreografar a sua mímica silenciosa. Todos os esqueletos do abandono continuam enterrados no corpo, sem deixarem de ser osso e de ocupar espaço. Sem se deixarem ser cinza.
Cada emoção proibida palpita ainda abaixo do solo, ouve-se sumida, confundindo-se com o vento que espalha este álbum de sombras.
O corpo tem a chave. No meio dele, há uma cadeira desocupada – não uma lápide, mas um trono. Como assusta sentar nele, rodar a chave, aprender a conduzir a assombração. Ser a resposta quando ele pergunta desde que se fez corpo, desde a primeira ferida: e quem cuida de mim?...
Imagem: baralho Morgan-Greer