São baratas, senhor!
Não é preciso ser-se entendido em culinária para se saber que nem todas as batatas casam com todos os nabos. Tendo padecido do afã que muitos sentem em reunir a maior diversidade de vegetais para tornar a sopa mais nutritiva, a dado passo fizeram-me notar que ficava descaracterizada. Falava-se literalmente de sopa, mas, sabendo agora como a culinária se presta às mais ricas metáforas, não deixo que se percam por desatenção.
E quem diz “sopa” podia dizer “salada”. Há alimentos que não convém misturar, porque fermentam e são nocivos para o organismo. Não obstante, não só tentam acenar-nos com a ideia de que, quanto mais variados os ingredientes adicionados à salada, melhor, como insistem em que não há fruta podre – se houver, a culpa é do caixote em que não foi devidamente aclimatada. Com jeitinho, a culpa se calhar até é minha. Sou assim animada a contrariar as evidências dos sentidos, incluindo o mau cheiro do pomo, o bolor que o devora, a minhoquinha embutida, dedicada às lides da mineração. Apontar semelhantes indícios é agir de má-fé, motivada por preconceito xenófobo ou racista, e incorrer em discurso de ódio contra a manga que vem de avião.
É assim que, ensinados a ignorar o óbvio e a atribuí-lo aos delírios da imaginação, quando não à perfídia dos instintos, acolhemos de braços abertos o exotismo vegetal, num caos que não é estranho ao nosso mosaico humano crescentemente eclético, zeloso do mito do bom selvagem. Catequizados que somos a não fazer julgamentos, temos como pobres vítimas os assaltantes e agressores que montam operações aqui na zona, mais sujeitos, nós, a receber uma qualquer acusação de crime de ódio – ofensa capital –, que logo nos encosta à extrema-direita, remédio santo para calar as mentes teimosamente fechadas à diversidade.
A quem não gosta de julgar pelas aparências, aconselho a que se guie pelo cheiro: esse, como o algodão, não engana. Foi pelo cheiro que um grupo de indivíduos de determinada nacionalidade montou arraial aqui no prédio: primeiro, era o odor corporal dos próprios, que tornava a partilha do elevador experiência penosa. Depois, o cheiro intenso da comida que cozinham às 4h e 5h da tarde e que se foi alastrando do último andar para baixo, invadindo o interior dos outros apartamentos. As visitantes mais recentes foram as baratas, que, quando fui pesquisar à internet, descobri serem um inseto cosmopolita, o que me causou uma certa inveja.
São dez pessoas ao monte, ou quase, num T1 transformado em chiqueiro, no meio das baratas que devem ter domesticado e que agora marcham sem cerimónia pelos restantes andares, no seu garbo conquistador, mais velozes ainda do que o cheiro. Não há rainha, santa ou não, que venha e se atreva a dizer: “São rosas, senhor, são rosas!”. Não, nem rosas nem flor que se cheire: são mesmo baratas. Eu cá já sonho com elas, enquanto me fustigo pelo anseio retrógrado de habitar em ambientes salubres, à cata da semente de ódio que há em mim, real fonte de infestação.
Um consolo me resta quando for sitiada: a sofisticação de viver num prédio multicultural.
One professor of race relations, Bikhu Parekh, has even suggested that Britain should change its name, which has so many negative historical connotations for millions around the world. Now that Britain has become so ineradicably multicultural, he says, there is no justification for it to be ‘British’ any more.