Nostalgia
Este texto começa e acaba com a toada de uma música dos Smiths, nascidos no mesmo ano que eu: “There is a light that never goes out”, com uma letra que exprime a mesma ânsia do regresso a casa que começa por afastar. Os tons da melancolia e da nostalgia habitam caracteristicamente a música dos Smiths, que encaixa em ambientes e horas de penumbra, despertando dores adormecidas.
Apesar do travo agridoce deixado por ela, o filósofo espiritual Richard Rose dizia da nostalgia ser uma das nossas emoções primárias, uma janela para a alma ou o instinto de uma perda longínqua (a mesma nostalgia imortal que, para Roger Scruton, a arte digna desse nome tem o poder de evocar, satisfazendo uma fome de essência). Embora duvide que Roger Scruton fosse fã dos Smiths, é essa mensagem que, para mim, transmite a sua música, e este título em particular.
I maintain that nostalgia has something to tell us. We are programmed to indulge in life, but the haunting nostalgia is the subliminal message from another plane.
Richard Rose
A viagem faz-se de carro, evocando talvez as viagens eternas da idade em que ainda não se aprendeu a medir o tempo e se reside num devir difuso; é ele que permite a intimidade da deslocação a dois. Mais do que um meio de transporte, é o começo de casa – quem não tem para onde ir já chegou, sobretudo se é o amor que o leva. E, quando se chega a uma casa assim, o que vem a seguir já não importa.
A proverbial luz ao fundo do túnel, aqui literal numa primeira leitura, nem sempre faz tão grande contraste com o desespero que leva à fuga ou ao desamparo de não se ter casa no mundo. A luz continua à mesma distância quando se participa da música e do bulício, quando a vida nos inclui e os êxitos se confirmam. A luz diz: “Ainda não é isso”, continuando a atrair-nos com o acorde da nostalgia, criando uma sensação persistente de insatisfação, sinalizando que apenas uma luz que não se apaga pode ser real. Todas as outras vão e vêm com a passagem dos dias, o subir e descer das marés. A resposta não é necessariamente a inspiração niilista que a música dos Smiths parece sugerir, mas um movimento peregrino em busca do que permanece e nos revela desde sempre inteiros – o halo perdido que buscamos no olhar de Quem nos conheça.