Elogio da escuta
Mas numa era em que a escuta é vista como um fardo, as pessoas sentem-se envergonhadas, embaraçadas ou culpadas quando alguém as escuta, e ainda mais quando reflete sobre o que disseram.
Kate Murphy
Há muito quem ouça, poucos que escutem. Aprendi a falar mais por imitação do que por correção, mas, ao contrário dos que escrevem como falam, acabei a falar como escrevo. A escuta, por sua vez, vai ainda nos primeiros passos, por tentativa e erro, pedindo-me a concentração intensa dos começos no exercício de ser um espelho mais limpo, com várias séries de repetições, dia sim, dia sim.
Como ato intencional, consome-se uma grande energia só na preparação para não se estar preparado, isto é, para ouvir sem antepor ou apressar desfechos, sem ter a resposta na calha, mesmo que isso abra rotundas lentas de silêncio. Parte da aprendizagem é saber a quem dar atenção, quando pedir esclarecimentos, em que momento interromper a escuta e dizer “Já chega”. Como sugere Kate Murphy em O que Perde quando não Está a Ouvir, “Ainda que a escuta seja a epítome da graciosidade, não é uma cortesia que devamos a todos”.
Por isso, como as prendas que escolhemos de modo premeditado, a qualidade importa. E, para aprender a ouvir bem, vem-se a descobrir que é preciso fazê-lo com o corpo todo, aprender o vocabulário do que não é dito, tarefa onde entram também as mãos, num treino full-body que desmente a passividade aparente.
Perante a ostensiva falta de ouvidos pacientes, é a busca da escuta, de se ser recebido, que faz as filas para o psicólogo e o cabeleireiro, de onde não se sai de pés, mas de cabeça lavada, que é a mesma coisa - com direito a massagem, no último caso. Quando era pequena, gostava de brincar às cabeleireiras: pelo toque que me acalmava o pensamento, como carícia que se movia por vagares e redemoinhos, sem pedir nada em troca (só que pedia). É assim, à vez, que nos escutamos, desejavelmente sem acumular calotes.
Mesmo que a escuta não se distribua a rodos, andar de ouvido atento e antena sintonizada é a melhor meditação que conheço. Começar por nos ouvirmos a nós mesmos é condição necessária para que possamos escutar o outro. E, quando há ruído na comunicação, quando nos distraímos ou tropeçamos na atenção, o bom da escuta é que podemos sempre começar de novo.