Batman
Em vez de jejuar, passei a Sexta-feira Santa a admirar o maxilar do Batman. Tenho vasculhado as ruas de Gotham à procura dele.
A Páscoa serve o mesmo prato de superficialidade que os outros dias, coberto de açúcar e ovos moles. Não há leituras de interesse para lá das opiniões sobre política, alterações climáticas e os rituais católicos que marcam a época, havendo quem proponha calar a alegria para trazer Jesus a nós. Não duvido de que a quantidade de negócios que passou a fechar no dia de Páscoa seja sintoma de uma revivescência súbita da religiosidade do povo, que vai para a neve receber Jesus.
A minha penitência é procurar o maxilar do Batman nas ruas inertes, enquanto os pés não fizerem bolha. Não tenho o treino de quem se arrasta a Fátima ou a Compostela para cumprir promessa: já não faço juras em voz alta e escolho as minhas romarias. À data, investigo um maxilar extinto com fervor igual ao de quem celebra a ressurreição com o glacé nos dedos.
Recorto no céu o SOS da minha descrença, que o gozo da chuva desmancha para abrir um arco-íris intermitente, anunciando o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Que o Batman me salve do melaço e das marchas que desfazem o cinzento da tradição. Dois mil anos depois, eles ainda não sabem o que fazem.
Fotografia: 2018 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados