Heroínas, mas pouco
Os heróis perderam o lustro. Principalmente as heroínas. Nas séries televisivas, a protagonista identifica-se pelo cartaz e porque é a ela que a câmara segue. Se procurássemos traços marcantes, menos numa singularidade aleatória de talentos do que no plano das qualidades morais, seria difícil encontrá-los. Não é que tenha sido substituída pela paródia da anti-heroína ou passado para o lado das vilãs: é que foi destituída de atributos que a distinguissem de qualquer outra personagem.
Se pensarmos nas qualidades que os seres de exceção encarnaram ao longo das épocas, pensaríamos em algo como: coragem, determinação, autodomínio, sabedoria, nobreza, fortitude, prudência, sentido de justiça, capacidade de sacrifício. Isto apesar de o herói, homem ou mulher, se definir como um ser complexo, muitas vezes dilacerado pelo conflito interno e visitado pela tentação. Todas estas qualidades foram, porém, substituídas pelo seu reverso ou por uma desfiguração tola, a ponto de as heroínas terem passado a caracterizar-se pela instabilidade emocional, a impulsividade, a histeria, a imaturidade e a destrutividade, num hino que se arrasta na apoteose da resiliência: o dom que a caixa de Pandora não perdeu.
Outra pista para a condição heroica da protagonista desprovida de méritos é que, apesar da sua evidente falta de predicados e da tenacidade com que age contra si mesma, contra todas as probabilidades, continua a sobreviver. Nalguns casos, fina-se no último episódio, mas mesmo aí persiste a dúvida: será que morreu mesmo?? Afinal, a imortalidade costuma ser apanágio dos heróis, que ocupam uma dimensão mítica entre o humano e o divino, embora os vilões também descansem à sua sombra, prevalecendo aqueles que ainda conhecem o valor da espera.
Quando acontece a heroína escapar ilesa e a história ter um desfecho feliz, depois de oito temporadas de conduta errática e alucinada, podemos estar certos do engano: o drama não acabou, o fim foi um artifício precipitado, provavelmente porque o público estava a ficar cansado e a série ia perdendo audiências.
A heroína transformou-se numa rebelde à força. Uma criança caprichosa, que gosta de irritar todos aqueles com quem se cruza e de levar a sua avante. As peripécias por que passa e os obstáculos que enfrenta são instigados por si, não encerrando valor moral nem levando a uma qualquer transformação, a uma autoconquista que dê significado à vitória, quando existe. Esbatidas as distinções entre superior e inferior, bem e mal, e com a confusão crescente entre heróis e vilãos, já não são os primeiros a inspirar o mediano mortal, mas a vulgaridade que transita para um heroísmo cego, pela mão de um Destino que parece tê-la metido no saco errado. As heroínas do agora são as Gretas a quem os adultos fazem vénias por terem desistido de as educar.