Onde está a Jane?
Quando me desafiam a ser a minha melhor versão, apetece-me perguntar: a minha melhor versão de quê?... Mas ensinaram-me no estágio pedagógico que não se devia terminar perguntas em “quê”, porque confunde as cabeças das criancinhas. A gramática estaria desculpada se o conteúdo equilibrasse os lapsos, só que entre as selfies com os músculos a brilhar e os chavões que se repetem nas páginas de todos os personal trainers e mentores de vida, o plástico é o mesmo (ainda que reciclado).
Força, empoderamento, superação, transformação pessoal, liderança, dominação: onde está a Jane, agora que todas querem ser o Tarzan?... Quanto maior o foco no corpo, maior a distância do centro. Mais desocupado ele fica. No caminho a que tantas vezes se compara a vida, agora transformado numa eterna prova de obstáculos, não somos apenas encorajadas a ser mais: somos intimidadas. Há um novo bullying do fitness e do autocuidado, que martela frases de motivação em bruto e tenta purgar a língua de todos os traços de negatividade, no pressuposto de que a reforma das palavras se transfira para o pensamento, onde se acredita residir o poder da mudança. Com tanta ênfase no ser mais – que se traduz em sermos a nossa melhor versão – o valor em oferta encolhe cada vez mais. Convence cada vez menos.
Quem tanto insiste em adotar uma versão 2.0 da própria pessoa costuma falhar o que na dança se chama "passo-base": conhecer a atual. Aceita ainda que a melhor versão de todas tem os mesmos músculos de aço da conquista: física, profissional, social. É uma versão que nasce de uma lapidação tão transpirada quanto alienada – não do conhecimento, da sabedoria, do aprofundamento. Do desenvolvimento de uma luz própria, que nem sempre é toda luz, mas tem matizes de sombra. Ah, o prazer de dizer “não” quando me estendem uma liana e me atiçam a saltar de galho em galho na floresta colorida desta mesmice tonta!