Novilíngua
O grande inimigo da linguagem clara é a insinceridade.
Basta passar uma hora a rever textos que saem dos teclados do copywriting e da produção de conteúdos para a web e é certo e garantido que o resultado é a cabeça a andar à roda. É tal o contorcionismo para evitar termos com conotação negativa que a tão apregoada simplicidade de escrita descamba em construções perifrásticas mais opacas do que os mais loucos delírios da burocracia.
Os eufemismos forçados geram toda uma linguagem com âncoras estereotipadas que se adivinha de olhos fechados, num esforço que já não é de escolher palavras para transmitir conteúdo, mas de inventar conteúdo para ligar de forma precária e imaginativa um catálogo de termos selecionados de antemão para produzir um determinado efeito no leitor ou obter o posicionamento ideal no ranking dos motores de busca.
Além dos já aqui mencionados “desafio” e “resiliência”, merece menção especial o verbo “experienciar”, que, à semelhança do inglês, adquiriu no português uma elasticidade capaz de omitir opções mais simples e diretas, como “sentir”. “Sentir”, “passar por”, “perceber”, “conhecer”, “vivenciar” – tudo se “experiencia”, de todas as maneiras. Grande é a frustração experienciada por quem tem de ler e endireitar, voltar a rechear de carne o cadáver ressequido da língua!
Quem quiser servir o mesmo guisado, basta misturar pobreza vocabular, repetição ad nauseam, utilização de termos imprecisos e vazios, e polvilhar tudo com uma profusão de pontos de exclamação que ainda há quem acredite que promova a venda. Como se o resultado da receita não fosse uma linguagem bastarda q.b., ainda é preciso peneirá-la e, se necessário, riscar as palavras do dicionário, segundo a lógica de que eliminá-las da comunicação as apagará também do pensamento, sendo a realidade magicamente transformada na mesma penada.
Na área da mentoria, afirmou-se há algum tempo a moda de substituir o “mas” pela copulativa “e”, uma das estratégias utilizadas para evitar bloqueios mentais, ao remover do discurso qualquer sugestão de adversidade. O “não”, essa das minhas palavras favoritas, quer-se extinto no mandamento novo que proíbe dizer “Não posso” ou “Não consigo”, inculcando por hipnose que tudo podemos e conseguimos. Sei o que Freud teria a dizer sobre o assunto, mas a única resposta que me ocorre para programas desse calibre é um simples “Não quero”, com o “não” bem redondo logo à entrada. Se precisarem de porquês, sai um “Porque não” a negrito.