Dos sapos e de outros anfíbios
Nunca beijei um sapo que se tivesse transformado em príncipe. Foi assim que as histórias infantis se me infiltraram na pele, à letra, levando-me na missão de restaurar a realeza aos sapos com potencial.
Mas, se eu via os príncipes nos sapos, eles não viam em mim a princesa. Não havia transformação que se notasse depois de lhes suportar o coaxar intenso e a língua amarrada à minha. Se alguma coisa acontecia, era tornarem-se ainda mais sapos, convencidos do seu garbo irresistível. Inchavam o papo e davam saltos malucos, exibindo as pernas de elefante, engordadas à custa do cocktail de hormonas – sapos que não se achavam sapos o bastante ou que queriam mostrar que eram mais sapos do que os outros, desgostados das suas pernas magrinhas e das suas vozes fininhas, que culpavam por afastarem as princesas.
Não sabiam que às princesas pouco impressionava o aparato das piruetas ou a grossura dos seus membros, se os sapos eram influencers e tinham um milhão de seguidores ou se eram os donos do charco. Eram dotadas de raio-x capaz de lhes iluminar o esqueleto, mostrar a substância que existia dentro das pernas insufláveis, a fibra de príncipe no ADN oculto, perante a evidente falta de trato.
A única mudança visível era que, em vez de os sapos se transformarem em príncipes, as princesas se metamorfoseavam em sapos, ora para lhes fazer o gosto, ora por força da convivência. Porque as princesas andavam encolhidas, sem saber que eram princesas, como os sapos não sabiam que eram sapos. Se tinham nascido entre patos e viam nas águas uma imagem distorcida, achavam que pato + sapo devia ser match feito no Céu, onde nascem os contos de fadas e se é para sempre feliz.
Com isto, os verdadeiros príncipes perderam-se das princesas, as princesas transformaram-se em anfíbios e os sapos ficaram como estavam. The end.
Metamorfose
Aquela menina era tão pura
e tinha tão limpo o seu coração,
que não lhe caíram os anéis dos dedos
por beijar um sapo. Mas desde então
o namorado não sabe por que motivo
todas as sextas, à tarde, os lábios
da sua rapariga se transformam
num frio cristal verde, cor de esmeralda.
Amalia Bautista
Fotografia: 2021 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados