Antiperfil
A primeira coisa que tens de saber é que não gosto de viajar (nem gosto nem deixo de gostar). Dificilmente me verás numa fotografia com uma paisagem exótica em fundo ou um copo de vinho na mão, nalgum evento de fim de semana que me realce o intelecto, como o louro realça os olhos de certas mulheres.
Já agora, a minha cor preferida é o azul. Deixo os outros campos por preencher, porque não gosto de me divertir nem de ir ao cinema. Tenho as noites livres. Não faço escalada, evito sair. Não finjo ocupação, exceto quando batem à porta, nem demoro a responder para criar mistério e intriga.
Não uso um estilo conversacional barra amigável, como mandam os visionários da língua. Escrevo formal, sem abreviar, com mais de uma sílaba quase sempre, sinais de pontuação que não a vírgula ou as reticências, e chego a fazer frases completas, que ocupam duas a três linhas. Não me peças para desenhar nem esperes que descomplique. Vou ignorar todos os “lol” que me atires e acabar com “P.S.” em catadupa, fingindo que ainda escrevemos cartas e que elas podem chegar ao fim.
Se procuras flexibilidade e leveza, desde já te digo que não somos compatíveis. Nem nas aulas de ioga consigo e não é por falta de querer. Dizem que o que é preciso é força de vontade, querer muito uma coisa e tudo se faz, mas até nisso pendo para o lado mais estreito da curva de Gauss.
Assertividade não é comigo, paixões e sonhos podes riscar da lista. Vou a caminho da tabula rasa: já não era alta quando nasci e fui mingando cada vez mais. Tenho o meu quê de impressionável e a história da Polegarzinha deixou marcas. É essa a meta que quero atingir: ser a mínima pessoa.
Não é que não beba socialmente: nem bebo nem socializo e se há coisa que não faço é conversa. Nunca me apanharam no clube dos Amigos do Amigo e preconceitos tenho muitos, graças a Deus. Faço julgamentos todos os dias, entre os abdominais e o pequeno-almoço, e o mais sexy que já me chamaram foi nerd.
Se leste até aqui, deves calcular o final: não me interessam aventuras. Sou tão séria que nunca saberás se estou bem ou maldisposta. A única coisa que prometo é deixar-te a adivinhar.
P. S. O signo é Gémeos (não está aberto a debate).
Fotografia: 2018 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados