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Na Pegada do Silêncio

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

Na Pegada do Silêncio

16
Mai24

Donativos (in)conscientes

Sónia Quental

Most people who are cowards disguise their cowardice as morality, and they claim that their harmlessness, which is actually a consequence of their fear and inability to be harmful or to be dangerous, is actually a sign of moral integrity (…). 

 

Jordan Peterson

 

           

Quando não existe uma consciência efetivamente desenvolvida, é comum que ela dê lugar ao simulacro de comportamentos moralizantes, associados a formas de manipulação mais ou menos subtis. Uma delas é a prática dos “donativos conscientes”, em eventos a que os organizadores não querem colar etiqueta de preço, mas de que esperam arrecadar um incentivo monetário. É assim que o despretensioso pedido de donativo passou a carregar veneno no bico, instalando em quem doa a dúvida obstinada quanto à generosidade do seu gesto, envolvida num sentimento de culpa habilmente montado. Afinal de contas, não é o donativo que se acusa de inconsciência, mas a pessoa que o dá.

No entanto, como cada um tem um nível de consciência diferente, um donativo consciente pode divergir em igual medida, sem deixar de ser “consciente” para aquele de quem parte. O que se pretende com o qualificativo é, em última instância, sobrepor à dos outros a consciência de quem tem a iniciativa, com a sugestão vaga e omnipresente de um juízo moral a que poucos escapam, uma vez que o público pagante não é obrigado a adivinhar o que vai na consciência de quem recebe. A ideia insinuada é de que não se pretendem donativos “forretas”, com um limiar convenientemente difuso entre esse patamar e o da “consciência”, alçando-se quiçá às alturas da “magnanimidade”. Sem se pedir pagamentos ou valores explícitos, constrói-se assim uma imagem compassiva e investe-se no saldo positivo da balança do carma com um lavar de mãos providencial, em que tudo fica entregue à consciência alheia.

Como aconteceu no início desta década e não foi estreia recente, a acusação de inconsciência provém de quem conhece a palavra pela rama e oferece dela os exemplos mais clamorosos. Num mundo moral em ruínas, em que as máscaras da consciência são tomadas de empréstimo, ganha quem vestir o melhor disfarce. Os donativos conscientes são candidatos ao prémio.

Vestido vermelho (9).jpg

 

Fotografia: 2020 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

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Na Pegada do Silêncio by Sónia Quental is licensed under CC BY-NC-ND 4.0