Donativos (in)conscientes
Most people who are cowards disguise their cowardice as morality, and they claim that their harmlessness, which is actually a consequence of their fear and inability to be harmful or to be dangerous, is actually a sign of moral integrity (…).
Jordan Peterson
Quando não existe uma consciência efetivamente desenvolvida, é comum que ela dê lugar ao simulacro de comportamentos moralizantes, associados a formas de manipulação mais ou menos subtis. Uma delas é a prática dos “donativos conscientes”, em eventos a que os organizadores não querem colar etiqueta de preço, mas de que esperam arrecadar um incentivo monetário. É assim que o despretensioso pedido de donativo passou a carregar veneno no bico, instalando em quem doa a dúvida obstinada quanto à generosidade do seu gesto, envolvida num sentimento de culpa habilmente montado. Afinal de contas, não é o donativo que se acusa de inconsciência, mas a pessoa que o dá.
No entanto, como cada um tem um nível de consciência diferente, um donativo consciente pode divergir em igual medida, sem deixar de ser “consciente” para aquele de quem parte. O que se pretende com o qualificativo é, em última instância, sobrepor à dos outros a consciência de quem tem a iniciativa, com a sugestão vaga e omnipresente de um juízo moral a que poucos escapam, uma vez que o público pagante não é obrigado a adivinhar o que vai na consciência de quem recebe. A ideia insinuada é de que não se pretendem donativos “forretas”, com um limiar convenientemente difuso entre esse patamar e o da “consciência”, alçando-se quiçá às alturas da “magnanimidade”. Sem se pedir pagamentos ou valores explícitos, constrói-se assim uma imagem compassiva e investe-se no saldo positivo da balança do carma com um lavar de mãos providencial, em que tudo fica entregue à consciência alheia.
Como aconteceu no início desta década e não foi estreia recente, a acusação de inconsciência provém de quem conhece a palavra pela rama e oferece dela os exemplos mais clamorosos. Num mundo moral em ruínas, em que as máscaras da consciência são tomadas de empréstimo, ganha quem vestir o melhor disfarce. Os donativos conscientes são candidatos ao prémio.
Fotografia: 2020 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados