Metafísica do nada
Steven Pressfield
Se uns dizem que somos o que pensamos, já outros gostam de nos reduzir ao que comemos. Seja qual for a preferência, a resposta para os estorvos da existência parece passar invariavelmente por mudar de dieta, abolir o glúten, comer orgânico, aprender a gerir as emoções, a pensar com clareza ou a libertar o poder do pensamento. Definir metas, desmontar crenças limitantes ou irracionais. Limpar o quarto. Sacudir o marasmo. Trabalhar a autoestima, alindar a imagem de si e escrever com o batom no espelho I am enough, que pode muito bem ser a maior invenção depois do batom e do espelho.
Mas as chaves milagreiras compõem uma extensa lista, que vai desde: frequentar workshops, aprender outro idioma, ter aulas de dança, pintar as unhas, tomar banhos de imersão, recitar um mantra, tocar um instrumento musical, fazer psicoterapia, tornar-se fotógrafo amador, adotar uma criança ou um animal, fazer voluntariado, salvar o mundo, refugiar-se num retiro, fazer uma desintoxicação digital, ir morar para outro país. Perdoar. Deixar ir. Abraçar a criança interior. Espremer os limões para fazer limonada. Acabar com a autossabotagem. Ir para o centro do ringue ou da arena. Aprender a dizer “não”, mandar os outros à merda – dizer “sim” à vida. Saber que o universo conspira a nosso favor. Pôr as mãos em concha para o ouvir. Render-se ao tantra, experimentar o ayahuaska. Na dúvida: viajar.
Carpe diem
O mundo interior é um castelo de cartas: tão leve e frágil que um sopro lhe destrói os andaimes. A vida é feita de sensações e experiências, respostas transitórias para problemas que não se quer enxergar, com medo das consequências de se pensar demais. De encontrar o nada e descobrir que o caroço da vida é oco. Que se calhar não somos mesmo o suficiente, apesar do batom que agora não sai do espelho ou das afirmações repetidas em estado hipnótico, das meditações guiadas e outros rodopios light. Se calhar, tudo o que se fez a pretexto de aproveitar a vida não era mais do que fugir dela e de encontrar respostas próprias, em vez de respostas prontas.
Vale a pena lembrar que é o buraco que faz o dónute. E, se há sabedoria que alguma vez me tenha ficado dos poetas que contemplam a metafísica do nada, em alternativa às mensagens dos pacotes de chá, são os versos, que tantas vezes canto com José Régio, umas vezes rindo, outras chorando: "Não, não vou por aí! Só vou por onde/ me levam meus próprios passos”.
Fotografia: 2022 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados