Cura para a insónia
Lembro-me de quando aprendi a fazer aviões de papel (a versão simples e a elaborada), da bola que fiz pela primeira vez com a chiclete e do vizinho que me ensinou a assobiar com os dedos. Guardo a imagem fixa dos pirilampos que apanhava e agasalhava na mão, atinando já de pequena que precisava de secreta luz para me fazer notar. Fora essas estreias, todas antes dos 10 anos, as Peta Zetas na boca e o “f” minúsculo desenhado na perfeição, desde então tem sido sempre a descer. Não houve outra habilidade que me fizesse sentir igualmente capacitada nem primeira vez que voltasse a ser a primeira: a face da Terra era já conhecida e o poço do furor literário praticamente secou.
Foi por isso que atirei as febres lá para o alto e que passei a aspirar ao impossível: transformar chumbo em ouro, achar a galinha cor-de-rosa já aqui mencionada, encontrar o ponto certo do molho de mostarda e mel, curar a doença mental no mundo, conhecer a identidade do Batman. São esses os motivos da minha insónia. Com tanto que fazer, não esperem que me deixe deter por políticos a distribuir pevides na rua, quais testemunhas de Jeová convertidas à pressa.
Desde os tempos da Rua Sésamo que sei que é preciso alguém para martelar, visto não podermos ser todos astronautas nem mediadores imobiliários. Assimilei a mensagem e peguei no martelo, mas não escolhi madeira barata. Canso os braços nas noites brancas, porque é preciso torná-las mais brancas e as noites não são compassos de espera. É nelas que o trabalho se afunda, que a vigília se afia. Se caio no sono, há um cão que me morde as canelas para os olhos abrirem.
Os pirilampos viajaram comigo para alumiar a madeira enquanto cavo novos veios de luz. Tudo para que os olhos do Amor se voltem uma vez para mim: não me importo de ser invisível desde que brilhe no breu.
Modelo da fotografia: Paulina.
2016 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados