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Na Pegada do Silêncio

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

Na Pegada do Silêncio

20
Abr24

Metafísica do nada

Sónia Quental

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Steven Pressfield

 

Se uns dizem que somos o que pensamos, já outros gostam de nos reduzir ao que comemos. Seja qual for a preferência, a resposta para os estorvos da existência parece passar invariavelmente por mudar de dieta, abolir o glúten, comer orgânico, aprender a gerir as emoções, a pensar com clareza ou a libertar o poder do pensamento. Definir metas, desmontar crenças limitantes ou irracionais. Limpar o quarto. Sacudir o marasmo. Trabalhar a autoestima, alindar a imagem de si e escrever com o batom no espelho I am enough, que pode muito bem ser a maior invenção depois do batom e do espelho.

Mas as chaves milagreiras compõem uma extensa lista, que vai desde: frequentar workshops, aprender outro idioma, ter aulas de dança, pintar as unhas, tomar banhos de imersão, recitar um mantra, tocar um instrumento musical, fazer psicoterapia, tornar-se fotógrafo amador, adotar uma criança ou um animal, fazer voluntariado, salvar o mundo, refugiar-se num retiro, fazer uma desintoxicação digital, ir morar para outro país. Perdoar. Deixar ir. Abraçar a criança interior. Espremer os limões para fazer limonada. Acabar com a autossabotagem. Ir para o centro do ringue ou da arena. Aprender a dizer “não”, mandar os outros à merda – dizer “sim” à vida. Saber que o universo conspira a nosso favor. Pôr as mãos em concha para o ouvir. Render-se ao tantra, experimentar o ayahuaska. Na dúvida: viajar.

 

Carpe diem

 

O mundo interior é um castelo de cartas: tão leve e frágil que um sopro lhe destrói os andaimes. A vida é feita de sensações e experiências, respostas transitórias para problemas que não se quer enxergar, com medo das consequências de se pensar demais. De encontrar o nada e descobrir que o caroço da vida é oco. Que se calhar não somos mesmo o suficiente, apesar do batom que agora não sai do espelho ou das afirmações repetidas em estado hipnótico, das meditações guiadas e outros rodopios light. Se calhar, tudo o que se fez a pretexto de aproveitar a vida não era mais do que fugir dela e de encontrar respostas próprias, em vez de respostas prontas.

Vale a pena lembrar que é o buraco que faz o dónute. E, se há sabedoria que alguma vez me tenha ficado dos poetas que contemplam a metafísica do nada, em alternativa às mensagens dos pacotes de chá, são os versos, que tantas vezes canto com José Régio, umas vezes rindo, outras chorando: "Não, não vou por aí! Só vou por onde/ me levam meus próprios passos”.

 

Vestido azul contra a parede laranja (4) - BOA.jpg

Fotografia: 2022 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

30
Jul23

"Dolce far niente"

Sónia Quental

 

You have to learn to sit in the Silence (…).

 Robert Adams

  

Instead of instant gratification, we seek cheap grace.

 Peter Block

 

           

Janela com grade.jpg

Certa vez, alguém me disse que estava com tanto trabalho que tinha o horário dividido em períodos de um quarto de hora. Acontece-me parecido, às vezes. Listas mentais de tarefas em reelaboração contínua, o tempo que parece impossível chegar, mas depois até cresce, e a ânsia de o aproveitar para adiantar mais trabalho, no espírito de não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje.

O mais difícil é travar a ebulição, pôr freio na gula da adrenalina e criar tempo para o nada. Parar corpo e mente. Temos a ideia de que o rendimento vem da ação – de que, quanto mais se faz, mais se produz e resolve. E temos esse vício de querer antecipar, viver um passo à frente do tempo.

Não fazer nada deixa-nos desamparados. Parece puro desperdício. A necessidade não é apenas de descanso ou lazer, como se vai sugerindo – nem de deixar a criatividade fermentar. É só que o regaço do Silêncio chama e é a sua vez de nos trabalhar por dentro, convidando-nos ao restauro do Mistério.

Mas a mente é tão ativa e ardilosa que até no silêncio quer saber como estar. O “Como?” é uma das perguntas em que mais insiste e por isso procura técnicas de meditação ou de mindfulness, que são apenas mais uma forma de continuar a fazer – fazer o silêncio, desta vez. Sente-se perdida sem estratégias e até do nada quer recompensas, saber que benefícios pode esperar.

Ouvi há dias, num podcast em que se falava do tempo que é necessário dedicar às grandes questões da vida (tempo que a maioria diz faltar-lhe), que uma das mais importantes qualidades espirituais a desenvolver era a disponibilidade. É esse o preço – ou um dos preços – a pagar. Mas, quando a necessidade se torna imperiosa, o tempo faz-se, inventam-se meios, tornamo-nos disponíveis. O que custa é quando chega a estação do silêncio. Quanto já se leu, estudou, praticou tudo e mais alguma coisa. Quando a busca não é movimento, mas estar quieto. Quando se quer avançar e o momento é de entrega. Quando não podemos conduzir o processo e sentimos que o tempo se escoa. Continuar disponível no Nada é a grande prova, sob a pressão do tempo, do impulso para a ação, da expetativa de lucro que acompanha  à socapa um qualquer investimento.

Não obstante… É o Silêncio que nos encharca as mãos de beleza. Tudo o que se faz a seguir é gracioso e sem esforço. Deslizamos no tempo, esticamos o tempo, fazemos toda a índole de coisas inimagináveis e mágicas, incluindo escrever mais um texto, como se o tempo sobrasse para passatempos assim.

 

Therapist Pittman McGehee states that the opposite of love is not hate, but efficiency.

Peter Block

 

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In Class of '09

 

Fotografia: 2021 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

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Na Pegada do Silêncio by Sónia Quental is licensed under CC BY-NC-ND 4.0