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Na Pegada do Silêncio

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

Na Pegada do Silêncio

05
Dez24

Os Amuadinhos

Sónia Quental

 

         A fulminação desceu sobre ambos com a mesma força. A silhueta dela em contraluz era o negativo da visitação do Anjo; ele, uma poça de sangue aguado a feder a peixe, lembrou-lhe as práticas ritualísticas dos maometanos. Pensando estar a obstruir o sinal para Meca, deu ela um passo ao lado, fazendo com que o arremesso súbito de luz o pregasse a uma bem-aventurança que durou cinco segundos eternos – uma eternidade extática, consumada lado a lado, numa simetria que não podia vir do acaso.

        Ignorando o latejar da marca que tinha entre as sobrancelhas, Ludovina escorregou para fora da Piscina de Saltos Quânticos para ser recebida por uma manifestação de representantes da segunda religião oficial do Império, que ultrapassava a primeira em número de associados e grau de fanatismo: a denominação atávica dos Ateus. Reunindo pessoas de duas ou três grandes proveniências, o grupo interno de maior expressão era o dos Amuadinhos, que sofriam alguns embaraços naquele género de intervenções públicas, graças à protuberância bucal alongada que os caracterizava. Todas as manifestações eram vigiadas por agentes munidos de Pulsómetros, que garantiam o nível mínimo de Felicidade obrigatório por lei, com o semblante dos amuados representando um perigo iminente de queda.

         O bizarro do espetáculo, apreciava Ludovina, era que os Ateus, quer por inclinação natural quer por pirraça, para espicaçarem os Aferrados a Deus, se passeavam em bicos de pés e nariz ao alto. Alguns caminhavam em cima de andas, que tinham acabado por integrar na sua vida diária, exigindo que as portas se alongassem à sua passagem. Os jogos de futebol amigáveis que disputavam tinham o seu quê de caricato, com os Ateus a chutarem a bola com as andas, os Aferrados arrastando-se de joelhos no relvado, com um posicionamento estratégico que não favorecia nenhuma das partes. A casta dos Humildes, que desfilava de branco em ambos os plantões, deixava-se espalmar com gritos de júbilo, sendo o árbitro a única figura que se mantinha de pé.

         Desde que a política fora abolida que os grandes palcos ideológicos de debate eram a religião e, um pouco mais atrás, a alimentação, que inflamava menos os ânimos e não tinha equipas de futebol amador. De resto, os campeonatos profissionais tinham sido extintos: as emoções não podiam andar à solta, devendo ser canalizadas para fins superiores, ao serviço da coesão do tecido social.

 

16
Ago24

Deus-Ikea

Sónia Quental

           

         A designação não é minha, mas de um artigo de Pedro Saraiva Ferreira sobre as novas espiritualidades que vieram substituir a religião – uma religiosidade de consumo, que o autor classifica como um “Cristianismo sem Cristo”, à imagem do Homem psicológico, que nasceu para ser feliz, indiferente à ideia de salvação. Guia-o uma busca pelo sagrado que segue o modelo “faça você mesmo”, à semelhança dos móveis do Ikea.

         A única coisa que tenho contra os móveis do Ikea são as arestas cortantes, as bicadas que às vezes dão e ter de pedir a outra pessoa para os montar. Não sou essa mulher emancipada que se diverte em noites de insónia agarrada aos hieróglifos de manuais de instruções e a dezenas de parafusos, peças, pecinhas e objetos de natureza incógnita, com uma pequena chave como varinha mágica, capaz de encaixar tudo no sítio.

         No entanto, serve-me a comparação para defender que, no que toca à busca do sagrado, não há como escapar ao DIY: cada um tem de redescobrir a roda, levantar a própria cama. Podemos formar comunidades, reclamar com o bot do atendimento ao cliente, pedir orientação a quem já montou a sua ou vai mais adiantado, mas serão sempre nossos os braços e as mãos, a irritação solene, a paciência ao limite, os momentos de epifania, as misérias, a glória.

         Quem faz questão de montar um móvel sozinho, sem os selos de autoridades externas, embalados em dogmas ossificados, não procura necessariamente os atalhos enganosos da autoajuda nem está preocupado com garantias de bem-estar. Tem como fito o Profundo, que quer conhecer e amar, um palmo de cada vez, na aspereza salgada da pele. Não anda em busca das "opiniões certas" que o colunista do Observador opõe à tentação do relativismo ou à fantasia das preferências pessoais – nem sequer lhe interessam opiniões, que não entram no túnel estreito que se vai abrindo com o peso do corpo no chão, os olhos sondando o céu, o punho esfolado de vontade.

         Não vejo Felicidade que não seja salvação.

 

Juncos verdes - B&W (3).jpg

Fotografia: 2021 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

02
Mai24

Os novos tementes a Deus

Sónia Quental

Com o aniversário a aproximar-se, sinto-me tentada a celebrar a data com um batismo no Douro, à semelhança de Russell Brand no Tamisa, imitado por uma onda de celebridades em cenários nem sempre tão exóticos, mas igual publicidade nos tabloides. O único senão é que já fui batizada uma vez, mas, se conta para alguma coisa, não me lembro disso, e tenho quase a certeza de que o cadastro estava praticamente limpo.

É como celebrar as bodas de prata ou de ouro do casamento, representando aqui a Igreja Católica o cônjuge de um matrimónio arranjado antes de me rebentarem os dentes (se fosse depois, é provável que eu já mordesse), cujos votos posso agora renovar mais senhora de mim.

Pondero, enfim, alistar-me no pagode dos novos tementes a Deus, como também gostam de se chamar. Além de ser exonerada dos pecados, Deus passará a ser o único a poder administrar-me justiça, porque de nenhum outro admito julgamento nem a ninguém presto contas. Ainda por cima, não tendo Ele apartado nem e-mail, e sendo pouco dado a aparecer em público, não há quem possa pedir as atas das diligências.

Espero que simpatize com a bajulação e o suborno, dê um jeitinho aqui e ali em troca de 20 padre-nossos e 10 ave-marias, 20 metros de joelhos pelo chão. Se nos desentendermos ou afrouxar o temor que lhe devo e o estragar com AMOR (mesmo que orgânico), os sacerdotes católicos aí estão a servir de conselheiros matrimoniais, reavivando com vigor o medo constante a esse Deus que se esconde na escuridão e gosta de pregar sustos. O susto e o reforço intermitente são, a bem dizer, o modelo de educação dos tementes a Deus, presos, não pelo fio da navalha, mas pela caridade e a esperança, à mistura com o condicionamento operante de Skinner, que já converteu muitos à fé.

 

Fátima - Francisco Amaral (7).jpg

 

Fotografia: © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

31
Mar24

Batman

Sónia Quental

Em vez de jejuar, passei a Sexta-feira Santa a admirar o maxilar do Batman. Tenho vasculhado as ruas de Gotham à procura dele.

A Páscoa serve o mesmo prato de superficialidade que os outros dias, coberto de açúcar e ovos moles. Não há leituras de interesse para lá das opiniões sobre política, alterações climáticas e os rituais católicos que marcam a época, havendo quem proponha calar a alegria para trazer Jesus a nós. Não duvido de que a quantidade de negócios que passou a fechar no dia de Páscoa seja sintoma de uma revivescência súbita da religiosidade do povo, que vai para a neve receber Jesus.

A minha penitência é procurar o maxilar do Batman nas ruas inertes, enquanto os pés não fizerem bolha. Não tenho o treino de quem se arrasta a Fátima ou a Compostela para cumprir promessa: já não faço juras em voz alta e escolho as minhas romarias. À data, investigo um maxilar extinto com fervor igual ao de quem celebra a ressurreição com o glacé nos dedos.

Recorto no céu o SOS da minha descrença, que o gozo da chuva desmancha para abrir um arco-íris intermitente, anunciando o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Que o Batman me salve do melaço e das marchas que desfazem o cinzento da tradição. Dois mil anos depois, eles ainda não sabem o que fazem.

Cálice - 03.12 (7).jpg

Fotografia: 2018 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

19
Out23

(Im)permanecer

Sónia Quental

 

É-se item numerado num menu versátil, servido no drive-in ou em take-way, com talheres de plástico e molhos em pacote. Antigamente, havia nas casas louça boa, prenda de casamento, guardada só para ver e usar na Páscoa, quando o padre vinha benzer o antro. Agora, já não há louça fina e quase não vale a pena comprar talheres como deve ser. Os descartáveis servem – assim são as pessoas que passam, as companhias momentâneas que se entretém, num caleidoscópio em que o virtual e o real se confundem em cores de néon.

As histórias de vida viram roteiros reinventados de uma vez para a outra. Faz-se entrevistas e audições aos candidatos à permanência, mas, terminado o test drive, tudo não passa de mais uma experiência num catálogo de sensações, esquecidas após a ressaca do que impermanece, tempero leve para a solidão.

Sem compromisso.

Hoje, que a casa é minha, não recebo o padre nem espalho alecrim na rua para o ajudar a encontrar o caminho até à entrada. Não preciso de pôr a nota verde à vista debaixo da laranja no prato de porcelana azul, em que só os mandatários de Deus podem tocar. Outra coisa boa é que não tenho de beijar os pés de Cristo na cruz, diante de todos, nem de aceitar, agradecida, as amêndoas açucaradas e moles que o padre trazia no bolso. Dispensava-se de demorar e todos ficavam aliviados. Só vinha buscar a nota e espalhar “Aleluias” extintos.

Sem compromisso.

“Aleluia” é palavra que não se ouve na passarela de gente feita esquisso, serial daters em refeições indigestas de fast-food, procurando a receita infalível para o final feliz, num jiu-jítsu da mente em que a regra universal é não fazer drama e sorrir.

Companhia humana a um clique de distância. Tão perto, cada vez mais longe. Sempre, sem compromisso.

 

Grades da reitoria - 2.jpg

 

Fotografia: 2019 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

10
Set23

Insuflável

Sónia Quental

A maioria das pessoas parece adulta, mas na realidade não o é. Emocionalmente, a maioria continua a ser criança. (….) Na maioria das pessoas, vive uma criança que está simplesmente a imitar um adulto. A ‘criança interior’ de que tanto ouvimos falar não tem nada de interior; na realidade, é bastante ‘exterior’.

 David R. Hawkins 

 

A real piece of art is a window into the transcendent. (...) And, unless you can make a connection to the transcendent, you don't have the strength to prevail. 

Jordan Peterson

 

 

A caminho de casa, passava há dias pelas festas do Bonfim quando me chamou a atenção o insuflável ao lado da igreja. Achei-o talvez acanhado face às dimensões do edifício, que deve atrair menos fiéis do que o divertimento infantil.

A relíquia religiosa e o destom do kitsch ocupando, em contraste, a mesma paisagem afiguraram-se-me como mais um sintoma do zeitgeist, em que a Humanidade aparenta ter regredido ao estádio locomotor-genital do desenvolvimento psicossocial – ou isso ou perdeu simplesmente o bom gosto. Parece-me provável que aquele seja o real destino das romarias, que já não louvam a Deus, mas procuram as profecias do ChatGPT, pitoniso moderno de altares de plástico, onde é permitido andar de meias e as costas não sofrem como nos bancos de igreja.

Insuflável.jpg

Assim é o sopro da fé: insuflável, ou wearable, como se diz agora. Aparece com o papa e desaparece com ele. Incha, desincha e passa. Quando o festival acaba, arrumam-se as tendas e regressa-se à normalidade, com os uivos erráticos das novas Gretas a disputar os holofotes ao papa.

Estou a pensar em enviar um requerimento à junta para no próximo ano fazerem uma rampa para trotinetas, para facilitar ainda mais o acesso e o insuflável poder exibir o rótulo A+++ da inclusão. Desconfio de que a popularidade tornará redundante a igreja, que, verdade seja dita, não tem os azulejos da Capela das Almas, que a tornem instagramável ou lhe deem relevância turística, nem pode ser convertida em alojamento local, correndo o risco de passar a imóvel devoluto, sujeita a arrendamento compulsivo.

Pelo menos, há um insuflável ali ao lado, onde Deus pode procurar refúgio, se não se importar de partilhar dormida com o oráculo da IA, com quem poderá ter as conversas filosóficas a que as beatas estariam menos aclimatadas. Pode ser que aceitem competir numa corrida de drones e que, desqualificados os humanos, seja Deus o favorito, quanto mais não seja porque o papa, ainda que amigo de todos, joga na mesma equipa. Aceitam-se apostas. O arraial está montado, faltando apenas confirmar a presença de Lio, o robô dançante do Bolhão, que fontes não oficiais garantem estar a preparar uma performance interativa e um workshop de coreografia. O pão de ló já se vende à porta, presume-se que feito de ovos sem crueldade animal.

 

 

What is beauty? What is missing? What causes the profanity and the ugliness to pervade our culture? I would say that it is the loss of the ability to see the invisible within the visible. (...) we don't see that light shining within one another that is our invisible beauty.

Shunyamurti

 

 

10
Jun23

Isso que existe

Sónia Quental

No labirinto.jpg

Assim como a subida da maré levanta todos os navios, o resplendor do amor incondicional num coração humano eleva toda a vida.

 Fran Grace

 

All the love and affection and kindness that came from Maharajji – you cannot get these from man.

 Ram Dass

 

 

O olhar de mais puro amor que alguma vez presenciei foi entre uma monja e uma criança. Parei a contemplar a cena com um pudor maldisfarçado, naquele princípio de noite em que as velas ainda não ardiam no Santuário de Fátima.

Ali estava, antes da procissão, como noutras ocasiões em que fui a Fátima, sem conseguir sentir qualquer beatitude ou atmosfera que sublimasse o lugar, além da miséria das pessoas em súplica ou do castigo de quem cumpre promessa. Chagava-me a exploração comercial dos peregrinos, sugados até ao tutano pela mais mísera refeição que tomassem, sem que a sua verdadeira fome fosse saciada. A missa a que numa dessas manhãs assisti pôs à prova o que me restava de candura: como é possível celebrar-se a fé com tamanho artificialismo e ostentação?...

A monja do olhar amoroso não era uma monja qualquer, mas essa é outra história. Naquele momento, trouxe-me à lembrança o documentário sobre Sri Prem Baba, Isso Existe, que traduz no título o arrebatamento de quando conheceu o seu mestre e sentiu o amor que dele irradiava. Outros, como Ram Dass, deram testemunhos semelhantes.

Naquela noite de maio, que à memória parece ter sido fresca, percebi que não era preciso viajar à Índia nem a lugares remotos para se achar raridades. Elas encontram-se no lusco-fusco do comum; dão-se a quem se dispõe a cruzar o umbral. Podíamos encontrá-las ao nosso lado, não nos achássemos pequenos em demasia.

Uns, ocupados com o corre-corre mundano, não aspiram a mais e, mesmo quando inclinados para a religiosidade, repetem litanias por tradição ou sentido de obrigação; os aflitos dividem-se entre as velhas e as novas igrejas, estas com rituais mais emancipados, mas continuando a falhar as promessas aos crentes. São poucos os que buscam – sabe-se que ainda menos os que encontram e realizam. Trancados na separação que trazemos no corpo, não queremos largar, embora, no fundo de nós, mesmo não lhe chamando Deus, algo se lembre e clame por aquele Amor que vi em Fátima, amor que salva e descansa.

É “isso” que procuramos sem saber, por vielas tortuosas e esconsas, crianças perdidas à espera que Ele nos reconheça e nos dê a graça do Seu olhar, contritas das nossas feições desfiguradas tanto tempo depois da Perfeição.

Fátima - Francisco Amaral (6).jpg

 

Fotografias: © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

 

29
Abr23

Luminárias

Sónia Quental

Escadaria do Mercado do Bolhão (4).jpg

It is so dificult to find a teacher these days. There are mostly preachers. A real teacher has no teaching.

H. W. L. Poonja

 

Most teachers are false teachers, and most seekers and false seekers.

H. W. L. Poonja

  

Percebo que Alexandre Mota quisesse perguntar a Jordan Peterson que compatibilidade haveria entre o Deus Cristão e aquele a que de modo incauto chama o “Deus Panteísta”, à guisa de matchmaker desavindo, em busca de uma luminária que lhe dê razão.

Andamos, muitos, em busca de luminárias, entre tantos falsos brilhos e a falta de referências que alumiem um ignoto deo. Percebo o que diz, apesar da falta de rigor, quando fala das “experiências esotéricas ao estilo panteísta” que vieram substituir o fascínio do existencialismo. Penso, sim, que é preferível “agir como se Ele existisse” do que sucumbir à convicção fácil do ateísmo (embora me pareça que a diferença não seja tanta assim).

Também a mim me indignam muitas das tendências que nomeia no seu artigo, que dão má fama ao que é da ordem do Invisível e a quem se empenha com seriedade em conhecê-lo. O sincretismo New Age é o red light district da Espiritualidade. Estou bem familiarizada com a confusão entre desenvolvimento pessoal e espiritual e com quem se considera espiritual porque queima incenso, faz visualizações criativas, aplica a lei da atração, lança o pêndulo e as cartas, comunica com os anjos e os mestres ascensos, pratica Reiki, Access Consciousness ou ThetaHealing, fala como entendido das crianças índigo e da era de Aquário, faz regressões a vidas passadas, leituras da aura, anda com cristais pendurados ao pescoço, recita afirmações positivas, participa em cerimónias ayahuasca e atira namastês à discrição. Enjoei das frases feitas de grupos que viram verdadeiras seitas, empenhados na eterna procura, mas não no Encontro. É disso que também se priva quem age “como se Ele existisse”: da oportunidade da descoberta.

É à boca cheia que se ouve falar de “luz”, “energia”, "cocriação" e do malfadado “ego”, nos locais mais desusados, por seres que trajam de branco, cobertos de medalhinhas de Nossa Senhora e de Cristo Jesus, que são “tu cá, tu lá” com o Arcanjo Miguel e têm contactos privilegiados na 9.ª dimensão. É o auge da pornografia. A espiritualidade tornou-se um acessório barato, que ora se põe ora se tira, consoante a ocasião e o dress code, deixando atrás de si um rasto carnavalesco de inquestionável mau gosto.

Por isso, caro Alexandre, entendo perfeitamente o que diz. No entanto, por muito respeito e admiração que sinta por Jordan Peterson, sei que não será ele a dar-lhe a resposta que procura – desde logo, porque ele próprio não a tem. Deus não se revela pela via do intelecto. Nas expressivas palavras de H. W. L. Poonja, “If you are looking for diamonds, do you go to a potato shop?”

Se quer começar por algum lado, sugiro-lhe, caro Alexandre, que comece por se livrar da suposição de que Ele existe, teve batismo cristão e é um “alvo exterior” (a abater ou não). Atreva-se a admitir que nada sabe e que só daí poderá partir: sem saber o que vai encontrar. Livre-se dos conceitos que formou antes de querer saber se o Deus cristão pode dar o nó com o “panteísta” e quem irá presidir ao casório. Remova os modificadores do nome. E, se quiser falar em esoterismo e budismo, estude-os primeiro. Não os confunda com as versões aciganadas que por aí circulam nem os irmane à erva daninha do relativismo. Desenvolva a faculdade da discriminação. Se precisar de ajuda, escolha luminárias que realmente saibam, não sem antes começar a acender a própria luz – porque só as luminárias se reconhecem entre si.

Fotografia: 2023 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados

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Na Pegada do Silêncio by Sónia Quental is licensed under CC BY-NC-ND 4.0