Anéis de rubi
Veio-me uma sensação desagradável à boca do estômago quando ouvi pela primeira vez o Rui Veloso avisar que “Não se ama alguém que não ouve a mesma canção”. A ligeireza desatenta da rima fez esgueirar a verdade como um tiro a que tentei escapar, em vão. E não havia formatação que apagasse a música do disco rígido da mente.
Era o corolário de experiências semidigeridas, augúrio funesto de escolhas desastradas – desastradas, não porque os astros as ditassem, mas por lhes ter trocado as voltas ignorando a voz da sabedoria, isto é, a voz do Rui Veloso, que trepou vezes suficientes ao superego para me soprar, com um prazer maldisfarçado: “Eu bem te disse”. Não desta maneira, mas com a poesia do Carlos Tê, que nem por isso acalmava o vexame.
Para mostrar que aprendi a lição, conto com contrição os anéis que empenhei para tentar que alguém ouvisse a mesma canção que eu. De que adianta desfalcar espólios em troca de companhia para o concerto? E que música se pode fazer entre instrumentos que não afinam entre si, por mais que se dê o Lá? As bandas sonoras não são um figurante sem rosto numa história de amor: são protagonistas, e é por isso que são convidadas para a boda, onde não se espera ouvir o Rui Veloso lamentar a saliva que gastou para mudar alguém nem os convidados a dançar uma salsa em linha demasiado gingada, quando era a valsa que se pedia.
Tudo subtraído, a despesa vai aumentando e há lições que não é preciso pagar mais de uma vez só para refrescar a memória. Não compensa penhorar bocados de nós pelo consolo fátuo da companhia ou de um amor contrafeito que só nos torna mais pobres – forçar harmonias entre notas que não pertencem à mesma escala. Melhor será desenvolver o ouvido para a música, poupar a saliva e guardar os anéis para quem goste de nos ver usá-los.
Fotografia: 2018 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados