Grainhas
O tesouro não está na ilha deserta, encontra-se sempre debaixo dos nossos sapatos.
Isra Bravo
Gostava de agradecer ao Steve Jobs pelo discurso de Stanford, mas ainda estou à espera que os pontos se liguem. Aguardo a todo o instante o dia em que olhe para trás e as vivências desconexas se unam numa figura geométrica que revele no seu esplendor o tesouro que esteve sempre lá. É por isso que não me mexo: ouvi muitas vezes dizer que ele está debaixo dos nossos pés. Não sou daqueles que têm de correr mundo para fazerem a descoberta no último capítulo. Estou informada desde o primeiro, por isso vivo de picareta na mão, dedicada a escavar a terra. Prefiro as vias subterrâneas, abrir caminho pelas raízes.
Mas começo a desconfiar que o Steve Jobs me enganou, que a tolice e a fome do mantra que revelou ao mundo geram apenas mais fome e tolice, um rodopiar no encalço de coincidências com significado, premonições que sejam de se fiar. Ou então é porque não tenho uma garagem como ele ou porque não desisti da faculdade. Coleciono lições de vida, erros para nunca mais, conjurando pontos e as suas hipotéticas ligações, expectante desse “aha” que me torne enfim bem-aventurada, revelando uma finalidade teimosa de se mostrar, que explique: foi por isso que passei fome.
Não há cá chegar ao fim do ano para se fazer balanços: o livro de contas está sempre aberto, o trabalho adiantado. O tempo distribui-se entre pagar impostos e a procura de um sentido, com a mesma minúcia feroz (embora não com igual vontade). Só não me digam nem mais uma vez que o que importa são os processos. Há um ponto em que os processos se tornam como os de Kafka: labirintos absurdos e embrutecedores. O que eu quero é a meta, não a burocracia. Por pequenina que seja, num minicircuito, uma corrida de beneficência. Venham os resultados, o produto bruto, o sumo da uva, porque de grainhas já chega.
Fotografia: 2013 © Francisco Amaral – Todos os direitos reservados