Verão num planalto
Nas videochamadas com pessoas que moram nas mais diversas partes do mundo, em que todas parecem ter fins de semana de aventura e férias internacionais para contar, tento passar a vez para não apagar aquele entusiasmo com um vácuo embaraçoso e desmancha-prazeres que dê o tom ao resto da reunião.
Com os de "cá" não é diferente, tornando-se cada vez mais difícil perceber quem é de onde e a que fronteiras está confinado num dado momento – um exercício que para mim só tem interesse quando preciso de calcular fusos horários.
Dir-se-ia que os currículos atuais são compostos por uma lista de países e experiências cuja variedade devia assinalar riqueza, mas que quando não há evidência dela valem apenas por ter acontecido. O movimento, a aventura, a prova fotográfica da espetacularidade de vida caracterizam a pessoa interessante, relegando os demais para um novo tipo de embaraço social.
Confronto-me muitas vezes, nos canais de desenvolvimento pessoal e relacionamento, com a exortação a criar uma vida emocionante e preenchida que venha tornar mais aliciante este pacote que sou. E ainda não deixou de me fazer comichão o marketing do performativo, que tenta reduzir-me às atividades que preenchem o meu tempo e à imagem de animação que projetam para o exterior. No mínimo, à lista de livros que já li – outra das coisas que abandonei pelos anos.
Compreendo, pois, o paciente que no artigo de Inês Costa Maia – “A coragem de ser aborrecido” – disse ter tido um fim de semana dessa qualidade. Mais do que em viagens para destinos exóticos ou perigosos, a coragem pede-se agora para assumir o que aos outros passa por aborrecido. Questiona a autora: “Como é que se prova valor num mundo em que o silêncio é confundido com irrelevância?”
Às vezes tenho saudades do tempo em que uma tarde passada a aparar sebes não era algo que exigisse uma justificação social. Hoje em dia, é como se a ausência da espetacularidade precisasse de ser defendida com argumentos clínicos.
Inês Costa Maia
E pode ser que no futuro venha a sofrer por ter deixado de atualizar o currículo, seja com formação profissional, seja com os menus do lazer instagramável. Pelo sim, pelo não, guardei nos meus Favoritos a lista de 10 profissões em que me aconselham a investir se quero um emprego seguro daqui a 10 anos. De momento, sinto-me inclinada para a de gestor de tráfego de drones, que dizem trabalhar para que os céus não se transformem num caos. Por sorte, tenho uma certa experiência no assunto e nem sequer preciso de sair do sítio. Poderei viver com a cabeça voltada para o único sítio de onde jamais quero desviar o olhar.
