Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Na Pegada do Silêncio

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

" ‘You are a lover of silence’, he said". H. W. L. Poonja

Na Pegada do Silêncio

03
Set25

Verão num planalto

Sónia Quental

         Nas videochamadas com pessoas que moram nas mais diversas partes do mundo, em que todas parecem ter fins de semana de aventura e férias internacionais para contar, tento passar a vez para não apagar aquele entusiasmo com um vácuo embaraçoso e desmancha-prazeres que dê o tom ao resto da reunião.

         Com os de "cá" não é diferente, tornando-se cada vez mais difícil perceber quem é de onde e a que fronteiras está confinado num dado momento – um exercício que para mim só tem interesse quando preciso de calcular fusos horários.

         Dir-se-ia que os currículos atuais são compostos por uma lista de países e experiências cuja variedade devia assinalar riqueza, mas que quando não há evidência dela valem apenas por ter acontecido. O movimento, a aventura, a prova fotográfica da espetacularidade de vida caracterizam a pessoa interessante, relegando os demais para um novo tipo de embaraço social.

         Confronto-me muitas vezes, nos canais de desenvolvimento pessoal e relacionamento, com a exortação a criar uma vida emocionante e preenchida que venha tornar mais aliciante este pacote que sou. E ainda não deixou de me fazer comichão o marketing do performativo, que tenta reduzir-me às atividades que preenchem o meu tempo e à imagem de animação que projetam para o exterior. No mínimo, à lista de livros que já li – outra das coisas que abandonei pelos anos.

         Compreendo, pois, o paciente que no artigo de Inês Costa Maia – “A coragem de ser aborrecido” – disse ter tido um fim de semana dessa qualidade. Mais do que em viagens para destinos exóticos ou perigosos, a coragem pede-se agora para assumir o que aos outros passa por aborrecido. Questiona a autora: “Como é que se prova valor num mundo em que o silêncio é confundido com irrelevância?”

Às vezes tenho saudades do tempo em que uma tarde passada a aparar sebes não era algo que exigisse uma justificação social. Hoje em dia, é como se a ausência da espetacularidade precisasse de ser defendida com argumentos clínicos.

 Inês Costa Maia

 

       E pode ser que no futuro venha a sofrer por ter deixado de atualizar o currículo, seja com formação profissional, seja com os menus do lazer instagramável. Pelo sim, pelo não, guardei nos meus Favoritos a lista de 10 profissões em que me aconselham a investir se quero um emprego seguro daqui a 10 anos. De momento, sinto-me inclinada para a de gestor de tráfego de drones, que dizem trabalhar para que os céus não se transformem num caos. Por sorte, tenho uma certa experiência no assunto e nem sequer preciso de sair do sítio. Poderei viver com a cabeça voltada para o único sítio de onde jamais quero desviar o olhar.

 

2 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D